terça-feira, 20 de março de 2018

Francisco Ferreira de Albuquerque



Texto de Antonio Carlos Popinhaki

(Atualizado em 23 março 2021)


Francisco Ferreira de Albuquerque foi, talvez, o mais polêmico administrador municipal do município de Curitibanos. Alguns curitibanenses já escreveram sobre ele. Ao ler tais escritos, constatei que algumas palavras e frases eram verdadeiras, outras não se mostraram fiéis aos fatos e à personalidade da pessoa em questão. Ao ler e preparar um esboço manuscrito para esta biografia, deparei-me com enfeites e exageros no que diz respeito à sua conduta de homem público, bem como, erros em datas e nomes, coisa que pretendo “consertar” ou “corrigir”, visando sempre, ser o mais fiel e imparcial possível, trazendo aos curiosos e pesquisadores para o mais perto possível da verdade comprovada. Para tal, segue o texto e abaixo dele, todas as referências que foram utilizadas para a sua produção.

O quarto mandatário de Curitibanos nasceu no dia 1.º de julho de 1864 no então território de Lages, hoje, São Joaquim. Quando jovem, morava em Campos Novos, que pertencia ao território lageano. Então, nascido em Lages pode significar, nascido no território de Lages e não propriamente entendido como na área urbana do município. Quem nascia nos atuais territórios de São Joaquim, Curitibanos e/ou Campos Novos, antes de 1869, era considerado lageano, simplesmente, porque a região fazia parte do território de Lages. Filho de João Oliveira Ferreira Machado e Laura Coelho Machado, também naturais de Lages/SC. Causa estranheza o sobrenome dos pais, entretanto a informação é do Cartório de Registro Civil de Curitibanos, no apontamento do seu óbito.

Por longos anos, o município de Curitibanos foi o “feudo” do Coronel Francisco Ferreira de Albuquerque, que chegou ao local em 1880. Distinguia-se ele dos demais coronéis da região, em virtude da sua origem modesta. Os adversários alardeavam e o acusavam de enriquecimento rápido, visto que antes da proclamação da república, ele era apenas um rapaz, sem recursos, que tocava trompa numa banda de música em Campos Novos. Naquela vila, ele também era caixeiro de lojas, ou balconista para os nossos tempos.

É certo que ele ajudou os federalistas na revolução de 1893, depois, sem sabermos detalhes, ficou amigo e colocou-se a serviço e proteção da família Ramos de Lages, principalmente de Vidal Ramos, o principal chefe político da região, de quem se tornaria três vezes compadre.

Se estabeleceu em Curitibanos, onde abriu uma casa comercial, um armazém. Na vila, passou a fazer publicamente oposição política ao velho Coronel Henrique Paes de Almeida Sênior, o mandatário local. O seu armazém se tornou o centro de reuniões políticas da vila. Os que ali chegavam, ficavam conversando por horas, atraídos pelo espírito comunicativo do proprietário. Gradualmente, ele foi se entrosando na política, até angariar a confiança e o respeito de muita gente.

No dia 24 de julho de 1900 chegou em Curitibanos, o novo vigário da igreja católica, Frei Osvaldo Schlenger. A casa paroquial ainda não estava terminada nesta data, o padre ficou hospedado temporariamente na casa de uma senhora de nome Cândida Hoefling. Ele só pôde morar na nova casa, no dia 19 de novembro daquele ano. Frei Osvaldo pediu na prefeitura um pedaço de terras para uma pequena horta dos frades, algo comum em outras paróquias. O Superintendente na ocasião, era o Coronel Henrique Paes de Almeida Sênior, que o atendeu prontamente. Mais tarde, o padre pediu mais um pequeno pedaço de terreno para um potreiro, solicitação essa, que foi mais uma vez atendida pelo Superintendente.

As duas famílias, Almeida e Ferreira de Albuquerque eram inimigas políticas tradicionais e declaradas na vila de Curitibanos. Quando Francisco Ferreira de Albuquerque assumiu como gestor municipal, em 1903, ele quis a todo custo, impugnar as doações dos terrenos aos padres, simplesmente, porque quem doou foi o seu antecessor e adversário político. Com muito jeito e paciência, Frei Osvaldo convenceu o novo Superintendente a redoar as áreas dos terrenos aos padres, com uma nova carta de aforamento datada de 19 de outubro de 1905. Logo no dia 3 de março de 1906, o responsável pela Diocese de Curitiba tratou de passar a posse dos terrenos aos “Franciscanos”, antes que o Superintendente arrumasse outra desculpa para reaver os imóveis.

No ano de 1902 lançou-se como candidato pelo Partido Republicano Catarinense — PRC, à superintendência municipal. Albuquerque alegava e alardeava publicamente, que não havia administrador em Curitibanos, visto que o Coronel Henrique, ficava mais tempo na sua fazenda, do que cuidando dos interesses dos curitibanenses. Na apuração dos votos, foi constatado que o “velho” Almeida venceu as eleições. Então entrou em cena o velho amigo, irmão da maçonaria e compadre, Vidal Ramos que era Deputado Estadual na ocasião. Também o ajudou, o irmão desse, Belizário Ramos, o Superintendente da cidade de Lages. Arrumaram, às pressas, votos “a bico de pena” no Distrito de Canoinhas, que fazia parte do território de Curitibanos. Por força da Lei Saraiva, que ditava as regras dos eleitores, anularam alguns votos e urnas. O resultado dessa artimanha política levou à vitória de Francisco Ferreira de Albuquerque.

O voto denominado “bico de pena” consistia na seguinte prática. Aos eleitores era apresentado um livro de assinaturas. Nesse livro, os eleitores escreviam apenas o nome do candidato, conforme instruídos pelo mesário ou responsável pelo colhimento das assinaturas. No caso da eleição de 1902, no Distrito de Canoinhas, todos os eleitores escreveram o nome de Francisco Ferreira de Albuquerque no livro, sem o uso de nenhuma cédula ou opção de escolha. De acordo com os relatos dos antigos moradores de Curitibanos, mesmo assim, a vitória daquele pleito, foi do Coronel Henrique Paes de Almeida. Em seguida, como alternativa estratégica ou Plano “B”, o Deputado Estadual e também Coronel da Guarda Nacional, Vidal José de Oliveira Ramos Júnior, que tinha forte influência política na região, conseguiu anular algumas urnas em Curitibanos, dando dessa forma, a vitória ao seu “pupilo” Albuquerque.

A Guarda Nacional foi uma força militar organizada no período imperial, em 1831 e desmobilizada no período da república em 1922. Consistia de uma organização composta por civis com o objetivo de defender a Constituição, a liberdade, independência, e integridade do império, tendo como fundamento o Artigo 145 da Constituição de 1824 “Todos os brasileiros são obrigados a pegar em armas, para sustentar a independência e integridade do Império, e defendê-lo de seus inimigos externos e internos”. Os serviços eram ordinários no município, com eventuais deslocamentos fora do município e ainda, os seus componentes poderiam ser destacados para auxiliar o Exército em alguma linha de frente ou batalha, como os casos da Revolução Farroupilha e da Guerra do Paraguai. Os oficiais da Guarda Nacional eram nomeados pelo Presidente da República, eram pessoas de posse ou de prestígio junto à presidência da República. Provavelmente, por participar da Revolução Federalista de 1893, Francisco Ferreira de Albuquerque já tinha uma graduação na Guarda Nacional como Capitão, pois é sabido que as patentes eram alcançadas de forma gradativa na hierarquia militar, conforme o pagamento de impostos de selos e emolumentos de patentes. Por exemplo, para ser um capitão da Guarda Nacional o cidadão tinha que desembolsar entre 20 a 40 mil réis. Tenente-Coronel e Coronel que eram as patentes de comando da região equivaliam ao recolhimento de 70 a 80 mil réis, além de ter uma renda comprovada anual de 200 mil réis. Em quase um século da sua existência, chegou a possuir um Regimento em cada município brasileiro.

Em 31 de janeiro de 1898, amparado pela Lei 221/1894, Francisco Ferreira de Albuquerque foi nomeado para ser o Ajudante do Procurador da República na Circunscrição de Curitibanos, da seção de Santa Catarina. No dia 2 de março de 1898 foi nomeado Tenente-Coronel da Guarda Nacional, Comandante do 16.º Batalhão de Infantaria da Comarca de Curitibanos. No mês de agosto do mesmo ano, ele assumiu o comando do batalhão de infantaria. Como militar altamente graduado da Guarda Nacional, o Tenente-Coronel Albuquerque se tornou muito conhecido no estado de Santa Catarina. Continuou residindo em Curitibanos, aumentando o seu círculo de amizades. Não demorou para receber a nomeação de 1.º Suplente do Substituto do Juiz Federal no município de Curitibanos. Em 15 de janeiro de 1906 foi nomeado Coronel Comandante da 12.ª Brigada de Cavalaria da Guarda Nacional da Comarca de Curitibanos.

Alguns escritores curitibanenses escreveram erroneamente as datas de término da gestão do Coronel Henrique Paes de Almeida Sênior e início do mandato do Coronel Francisco Ferreira de Albuquerque. Foram anotados em seus escritos os anos de 1906/1907, o que é falso. Para todos os efeitos legais e de acordo com pesquisas fundamentadas hoje, com recursos abrangentes disponíveis em livros e mídias, as datas corretas são 1902/1903. Vejamos alguns fundamentos: O comerciante Alfredo de Oliveira Lemos parecia ter receio, ou talvez medo de escrever em suas memórias sobre o Coronel. Já a sua parente, a escritora curitibanense Zélia de Andrade Lemos escreveu que a eleição foi em 1902 e que o Coronel Albuquerque estava se perpetuando no poder até 1914. Frei Osvaldo escreveu sobre o caso dos terrenos doados à Igreja Católica, reivindicados por Albuquerque, quando este era Superintendente em 1905. Paulo Pinheiro Machado, Maurício Vinhas de Queiroz escreveram, baseados em pesquisas, que as eleições foram em 1902 e que Albuquerque assumiu a cadeira da Superintendência em 1903, mesma época em que houve eleições para o Governo do Estado, quando Lauro Müller assumiu o cargo estadual.

Finalizada essa ressalva, sigo com os escritos sobre a gestão do Coronel Francisco Ferreira de Albuquerque em Curitibanos. O seu governo começou com intrigas, principalmente, com os membros da família Almeida, que sentiram que foram prejudicados na eleição de 1902. Albuquerque, quando assumiu a Superintendência, possuía apenas uma casa comercial e alguns poucos animais dispostos numa invernada cedida por um amigo. Dez anos depois, ele já era fazendeiro, com mais de uma fazenda. A sua casa comercial era a maior e a mais importante da vila de Curitibanos. Os opositores o acusavam de agir misturando interesses pessoais, com os interesses da gestão pública. Quando recebia verbas do governo estadual para a construção de pontilhões e melhoramentos de caminhos, ele convidava para empreiteiros, os seus maiores devedores pessoais, impondo-lhes condições de poderem pagar as suas dívidas, mas também, de se obrigarem a comprar exclusivamente em sua casa comercial, a preços altíssimos, as mercadorias e gêneros alimentícios para o consumo dos operários. Dessa forma, ia enriquecendo. Ele cobrava qualquer devedor dessa forma.

Como a maioria dos políticos, Albuquerque distribuía na vila os cargos públicos municipais e estaduais. Ninguém era contratado ou nomeado sem que passasse pelo crivo da sua aprovação. Após ter assumido a Superintendência em 1903, e de ter ficado à frente dela até o ano de 1914, foram muitas as histórias de excentricidade e egocentrismo, de ganância, de vingança, de abuso de poder e autoridade, envolvendo o seu nome que eu não poderia deixar de citar algumas.

O ano de 1912 ficou marcado por vários acontecimentos em Curitibanos. No dia 2 de setembro nevou. Depois que o fenômeno cessou, os moradores da vila mediram a espessura da neve e constataram 50 centímetros. Certamente, foi uma das maiores nevascas da nossa história, que não deve ser esquecida, mesmo que os anos avancem. Além dessa anotação climática da nossa história, ainda devem ser registrados os acontecimentos ocorridos na localidade de Taquaruçu, interior de Curitibanos. Em agosto houve a tradicional festa em louvor ao Senhor Bom Jesus. Nessa edição, esteve presente o “monge” José Maria. Foi nessa ocasião que começaram a desenhar de forma abstrata e depois concreta, o início do “movimento” denominado de “irmandade cabocla”. Essa organização tomou forma e corpo a partir de 1913, culminando na chamada Guerra do Contestado.

Avisaram o Superintendente da aglomeração de pessoas no Taquaruçu, com intenções de restaurar a monarquia. Albuquerque enviou emissários até o local, solicitou que trouxessem José Maria até a sua presença, com o pretexto de que alguém da família estava doente. José Maria foi advertido de uma possível artimanha. Ele não foi até Albuquerque, mandando os emissários responderem ao patrão que a distância entre um e outro, era a mesma. Isso deixou o Superintendente fora de si, telegrafou ao Governador do Estado, que entrou em contato com o Presidente da República, acionando o Exército contra o movimento. O conflito terminou em 1916 com, possivelmente, mais de 10 mil mortos.

Segue outro acontecimento de 1912. Na vila de Curitibanos havia um comerciante de nome João Sampaio, estimado por todos, ele tinha uma casa comercial concorrente com o armazém do Coronel Albuquerque. Entretanto, apesar da concorrência, eram, aparentemente, aliados políticos. Visto que na lista de doadores para implantação do Jornal “O Trabalho”, o Capitão João Alves de Sampaio figurava com uma doação de 100 mil réis. Consta que esse João Sampaio, além de aliado político, era admirador do Superintendente e procurava segui-lo, inclusive, nas suas decisões pessoais e modas. Se Albuquerque comprava um par de botas de um determinado modelo e feitio, pouco tempo depois, João Sampaio estava vestindo uma igual. Aparentemente, a amizade era tamanha, que chegava até a extrapolar a linha da intimidade entre Albuquerque e a família de João. Costumeiramente, de tempos em tempos, o comerciante precisava ir a Florianópolis e outros centros fazer compras de mercadorias para abastecer a sua loja. Uma viagem até Florianópolis naquele tempo, demorava cerca de 20 a 30 dias a cavalo, quando não eram molestados pelos índios, que viviam às margens dos caminhos e carreiros. A estrada para uso de carroças só estava pronta de Aquidaban (Apiúna) em diante, até a capital. De Apiúna em direção ao oeste, era só carreiro fundo pelo tanto passar de cavalos, mulas e pessoas a pé. Então, quando o comerciante João Sampaio viajava, Albuquerque o substituía na loja comercial e também na cama, pois ele conseguiu seduzir a esposa de João Sampaio para que cometesse adultério. Certa vez, quando estava com a esposa do amigo, Albuquerque foi flagrado por um empregado da casa, de nome João Knoll, logo de manhã cedo, quando saía. O empregado disparou o revólver em direção ao Superintendente, errando o tiro. A notícia espalhou-se rapidamente na vila até chegar aos ouvidos do padre Frei Gaspar.

Toda a família Sampaio ficou solidária a João. Logo, todos foram hostilizados pela polícia municipal. A crise aumentou, quando o jovem Marcos Sampaio, que tinha na época, mais ou menos 14 anos, passou na frente da casa de Albuquerque com um revólver na cinta. Foi logo cercado e preso por cinco policiais. Na tentativa de desarmá-lo, um soldado chamado de Leite e que tinha muito medo de cobra, ao colocar as mãos no menino disse:

ー Entrega o revólver!

ー Olha a cobra Leite! — Disse rápido, Marcos Sampaio.

O soldado deu um pulo para trás assustado. Foi o tempo de o jovem Marcos acertar-lhe um tiro no peito, caindo morto. Os demais policiais o perseguiram até a casa de João Sampaio. Marcos acabou sendo preso e foi a julgamento. Henrique Rupp Júnior assumiu a defesa do rapaz e transferiu o processo para ser julgado em Campos Novos. Foi inocentado no júri. Marcos voltou para Curitibanos sendo recebido por cerca de 200 cavaleiros com tiros para cima. A alegria foi generalizada, culminando com a entrada dos Sampaios para a “irmandade cabocla” de fanáticos do Taquaruçu, em veemente oposição a Albuquerque.

Num domingo após a divulgação pública pelas várias bocas, sobre o adultério de Albuquerque com a esposa de João Sampaio, na missa, na hora do sermão, Frei Gaspar falou da santidade do matrimônio e do valor da vida humana, sem, contudo citar nomes. O Superintendente compreendeu o recado, iniciou-se então, uma violenta campanha contra Frei Gaspar, com acusações de loucura, atrevimento e de fazer política. Albuquerque mandou telegramas ao bispo de Florianópolis, ao Governador Vidal Ramos e até um abaixo-assinado ao Ministro Provincial da Província Franciscana da igreja.

Naquele tempo, a única escola existente em Curitibanos era a escola dos padres, também chamada de escola paroquial. Depois do sermão de Frei Gaspar, logo foi construída uma escola pública na vila, com o objetivo de esvaziar a paroquial. Frei Gaspar foi chamado a Florianópolis para dar explicações. Frei Rogério fez questão de acompanhá-lo. Foram os dois a cavalo, de Lages a Florianópolis, percorrendo os 347 quilômetros do trajeto de outrora. Chegaram a Florianópolis, explicaram o que estava acontecendo em Curitibanos ao Monsenhor Francisco Topp, Vigário Geral, que deu razão ao sacerdote.

No dia seguinte, o Governador Vidal Ramos repreendeu fortemente Frei Gaspar, elogiando o Superintendente de Curitibanos, dizendo-lhe, ter o seu apoio em quaisquer circunstâncias, custasse o preço que fosse. Os dois padres despediram-se do Governador, dizendo a ele que não se interessavam por questões políticas, mas que cumpririam os seus deveres religiosos até às últimas consequências.

O Superintendente, em sua aversão ao padre, mandou vir a Curitibanos um pastor protestante, que em várias conferências, atacou os padres e a religião católica, enaltecendo as ações e o comportamento do Coronel Albuquerque.

Morava na localidade Taquaruçu um homem de nome Praxedes Gomes Damasceno, compadre de Albuquerque, que tinha uma casa comercial no local. Albuquerque não gostava dessa concorrência, pois a casa de Praxedes vendia bastante, atrapalhando suas próprias vendas para pessoas do interior.

Depois de um ataque frustrado à localidade de Taquaruçu, a vila de Curitibanos transformou-se num quartel de forças militares. Temendo uma retaliação dos fanáticos, cavaram vários buracos e fizeram trincheiras para a sua defesa. Formou-se então um grupo de homens, que ficavam de guarda à noite, de olho em qualquer movimento suspeito.

No mesmo dia em que as forças haviam recuado do Taquaruçu chegou em Curitibanos, proveniente da firma Hoepcke de Florianópolis, um carregamento de mantimentos com destino à casa comercial de Praxedes. Essa carga, tendo sido revistada pela polícia, acabou apreendida em Curitibanos. Albuquerque justificou a apreensão, alegando ter encontrado nela, algumas “winchesters” e uma caixa de munição com centenas de balas.

Embora Praxedes tivesse se mostrado contra o ajuntamento de pessoas, como compadre do Coronel Albuquerque, demonstrou em várias ocasiões de que lado estava. Ele alertou Albuquerque, quando começou o ajuntamento de fanáticos. Também levou Frei Rogério até o reduto dos fanáticos. Além do mais, a sua bodega estava fora do reduto.

Sabendo da apreensão da sua mercadoria, no dia 2 de janeiro de 1914, Praxedes recrutou 20 homens bem armados e rumou para Curitibanos. Ele só queria reaver o que era seu por direito, mas houve alguns que afirmaram que ele queria vingar-se do seu compadre pelo transtorno causado. Antes de chegarem, um emissário, a mando do coronel Chiquinho de Almeida, proprietário de uma fazenda nas imediações da vila, avisou Albuquerque da aproximação.

Dado o alarme, reuniram imediatamente 30 soldados e várias autoridades, que ficaram sob o comando do Tenente Sólon, aguardando entrincheirados, a chegada de Praxedes e os seus. Havia em Curitibanos uma velha igreja que foi desmanchada por não atender a demanda. Os soldados e as autoridades ficaram posicionados atrás de várias pilhas de tábuas de madeira, existentes na ocasião, nas imediações dessa igreja. Um dos antigos acessos à vila, pelo lado oeste, passava por onde hoje está situado o Ginásio de Esportes Municipal Onofre Santo Agostini — Onofrão, da cidade de Curitibanos. Mais ou menos onde está o Ginásio, havia uma grande lagoa às margens da estrada de acesso oeste. Praxedes e os seus homens estacionaram os cavalos próximo à lagoa. O terreno é acidentado, com morros para os dois lados. Os homens que acompanhavam Praxedes se entrincheiraram nos locais mais acidentados desses morros. Do outro lado, os homens do Tenente Sólon estavam perto da igreja. O tenente atirou para cima. Os homens de Praxedes responderam com tiros em direção às pilhas de madeira, começando o tiroteio. Para quem conhece a região nota que a distância parece grande, entretanto, naquele tempo, sem nenhuma construção, a impressão era outra. Depois de meia hora marcado num relógio, dois dos homens que acompanhavam Praxedes foram mortos. Seus corpos permaneceram perto da lagoa.

Ao ver os dois mortos, Praxedes levantou-se e acenou em direção do grupo que defendia a vila de Curitibanos. Ele acenou com um lenço branco na mão, num sinal de que queria a paz.

ー Não atirem! — Gritou Praxedes.

Nesse momento, o Coronel Albuquerque foi ao seu encontro. Abraçou o compadre e disse-lhe:

ー Não é nada meu compadre. Você está garantido.

ー Sei que estou garantido, só quero as minhas cargas.

Após essas palavras, Praxedes afastou-se de Albuquerque, ao virar-se recebeu uma saraivada de balas que o fez prostrar-se ao chão. O Vigário da Paróquia, Frei Gaspar, o recolheu para dentro da Igreja, que era na ocasião, o colégio dos padres, hoje Colégio Santa Teresinha. Não lhe foi permitida nenhuma assistência médica, nem mesmo pelos padres da paróquia. Praxedes faleceu após ser ferido. Não lhe foi devolvida a sua mercadoria apreendida. Os homens que o acompanharam saíram em retirada atirando. Foram perseguidos a mando de Albuquerque. A guerra entre os fanáticos e a vila de Curitibanos estava declarada definitivamente, culminando com o incêndio no mesmo ano.

As pessoas que faziam parte da oposição acusaram Albuquerque de obrigar os fornecedores e empregados dos setores públicos municipais e estaduais, residentes na vila, a comprarem exclusivamente na sua casa comercial. Esse armazém particular era protegido por guardas municipais. Seu maior concorrente foi Praxedes Gomes Damasceno do Taquaruçu. A casa comercial de Praxedes conseguia vender para muitos moradores do interior, mercadorias vindas de Curitiba e de outras regiões. Albuquerque sempre desejou acabar com essa concorrência. 

Morava na vila de Curitibanos um homem de nome Paulino Pereira da Silva. Esse possuía uma fábrica de gasosas. Para comercializar esse refrigerante era necessário um selo fornecido pela Superintendência. Numa certa época, acabou o estoque de selos. Precisavam mandar confeccionar mais selos para as garrafas de gasosas. Isso demoraria algum tempo. Paulino procurou o setor responsável na Superintendência que fornecia o tal selo. Não podia parar a sua produção.

ー Não tem mais selos no estoque. O senhor deve aguardar a chegada de uma nova remessa. — Falou-lhe o funcionário público.

ー Posso comercializar as gasosas sem o selo enquanto vocês não receberem mais? — Perguntou Paulino.

ー Não pode! O senhor terá que estocar as garrafas de gasosa. Se não tiver lugar para guardá-las, deverá parar a sua produção, até que os novos selos cheguem.

Paulino Pereira da Silva não podia esperar até que os selos chegassem na Superintendência. Começou a comercializar o refrigerante sem selos de fiscalização, irritando o Coronel Albuquerque.

O Superintendente mandou lacrar a fábrica de gasosas de Paulino Pereira da Silva, para que ele não produzisse mais. Criou-se, com essa decisão, um novo desafeto, um novo inimigo na vila. Mais um que aderiu à causa da irmandade cabocla e se juntou à seita de fanáticos do Taquaruçu.

Entre os feitos do Superintendente Francisco Ferreira de Albuquerque estão a construção de um Jornal, ele foi o fundador do Jornal “O Trabalho” de Curitibanos. Para a compra das máquinas e da tipografia, foram necessárias doações de vários moradores e fazendeiros da região. No incêndio de 1914, essas máquinas e papéis da tipografia foram danificados pelos fanáticos.

Colaborou para criação do distrito de Canoinhas como parte do município de Curitibanos. A sua vida pública e política foi marcante, polêmica às vezes, mas fez história. Encerrou o seu mandato em 1914. Não desistiu de ir além. Foi eleito Deputado para o Congresso Representativo de Santa Catarina (Assembleia Legislativa) e participou das seguintes legislaturas:

7.ª Legislatura (1907 – 1909) — escolhido Suplente de Secretário da Mesa Diretora da Casa no período;

8.ª Legislatura (1910 – 1912) — eleito em 30 de dezembro de 1909, com 5.846 votos. Foi Deputado Constituinte de 1910.

9.ª Legislatura (1913 – 1915) — eleito em 5 de outubro de 1912, tomou posse e foi Vice-Presidente da Casa Legislativa no triênio;

10.ª Legislatura (1916 – 1918) — respondeu como Vice-Presidente novamente nos anos de 1916 e 1917. Neste mandato, atuou no mesmo Parlamento com seu compadre, o Deputado Manoel Tomás Vieira — Major Vieira.

Como parlamentar, foi favorável aos direitos catarinenses na questão dos limites com o Estado do Paraná, defendendo-os nos jornais "O Trabalho", de Curitibanos, e "Palmense", em Palmas/PR.

Participou da 7.ª, 8.ª e 9.ª Legislaturas com o Deputado Gustavo Lebon Régis, também Coronel e personagem na Guerra do Contestado, que teve seu acordo de divisas territoriais entre Paraná e Santa Catarina, assinado em 20 de outubro de 1916.

Algumas pessoas afirmam que mesmo afastado em cargos municipais por causa dos cargos de esfera estadual, mandou em Curitibanos até o dia da sua morte, ocorrida numa cilada na estrada próxima à sua fazenda, onde ele foi com o seu filho Tiago, ainda menino, levar sal para o gado. Na volta à cidade, recebeu à traição, os tiros que cortaram a sua vida ainda com vigor, e assim Curitibanos perdeu um dos seus administradores. O ocorrido foi no lugar chamado de “Canhada Funda”, na estrada geral que ligava Curitibanos a Campos Novos, às 16 horas do dia 27 de dezembro de 1917. Seus restos mortais foram transladados para o atual cemitério Municipal São Francisco de Assis no ano de 1962.

No dia 16 de março de 1974, no mesmo lugar onde houve o assassinato, a Prefeitura Municipal de Curitibanos, juntamente com a Câmara Municipal de Vereadores prestaram uma homenagem póstuma. O seu filho que estava na ocasião junto e que saiu ileso, Tiago Ferreira de Albuquerque proferiu um comovente discurso aos presentes. O Coronel Albuquerque era casado com a Sra. Laurinda de Oliveira Albuquerque e tiveram os seguintes filhos: Euclides, Aristides, Tiago, Elvira, Iracy e Orival.


Referências para a produção do Texto:


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BRASIL IMPÉRIO. Decreto nº 3.029, de 9 de janeiro de 1881, Lei Saraiva, instituído o Título de Eleitor,...


BRASIL IMPÉRIO. Lei de 18 de agosto de 1831 - Crea as Guardas Nacionaes…


BRASIL IMPÉRIO. Decreto nº 4.356, de 24 de abril de 1869. Dá regulamento para a cobrança dos emolumentos das Repartições Públicas.


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Fotografia do acervo da Galeria da Prefeitura Municipal de Curitibanos.


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